OPINIÃO
NÃO É POSSÍVEL QUE O STF TENHA ERRADO
TANTO.
A SUPREMA CORTE PRECISA CORRIGIR
O ERRO.
Jorge Béja
O julgamento pelo STF que estabeleceu o rito do processo de Impeachment de Dilma Rousseff não sai do noticiário, com opiniões favoráveis e contrárias. Até leitores se manifestam por cartas. Mas tudo está só no começo. A ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que o PCdoB propôs ainda está em tramitação. Quando o recesso do Judiciário terminar e o Acórdão (íntegra da decisão dos 11 ministros) for publicado, é certo que a decisão da Corte será bombardeada com recurso de Embargos de Declaração e mesmo Mandado de Segurança. Eduardo Cunha, em nome da Câmara dos Deputados, antecipou que já vai protocolar Embargos de Declaração, antes mesmo da publicação do Acórdão. Isso é tolice. Se embargar antes, não poderá embargar depois, em razão do "princípio consumativo dos recursos". Um recurso uma vez impetrado consome o prazo para a sua interposição depois e gera preclusão consumativa, com a impossibilidade de posterior acréscimo ou alteração do recurso apresentado. Nem mesmo admite oposição de novo recurso contra a mesma decisão. Cuidado, Cunha. Trate disso com a assessoria jurídica da Câmara, formada de doutores em Direito todos concursados e talentosos.
UMA AUTÓPSIA LEGAL
Mas a finalidade deste modesto artigo
é a dissecação e o cotejo da Lei nº 9882/99, que dispõe sobre o
processo e julgamento de uma ADPF, com as etapas e
os desdobramentos que o STF imprimiu ao curso da ação do PCdoB
naquela Corte e que visou "filtrar" a Lei do Impeachment
(nº 1079/50) e adaptá-la à Constituição Federal de 1988. Vamos usar o método de
perguntas e respostas (heurística) para facilitar o entendimento. E vamos ter
em mente que assim como no trânsito de pessoas e veículos não há sinal sem
utilidade, também na lei não há palavra inútil, nem tempo verbal inadequado.
10 PERGUNTAS, 10 RESPOSTAS
1) Na ADPF do PCdoB houve pedido
incidental de Medida Cautelar visando obter liminares até que o
processo recebesse julgamento final?
R - Sim. O PCdoB pediu, na ação,
através de Medida Cautelar incidental, que fossem concedidas liminares,
isto é, a antecipação da tutela, a perdurar até que o processo fosse
definitivamente julgado. O pedido foi feito logo nas primeiras das 74 páginas
que formaram a chamada Petição Inicial.
2) A ADPF comporta Medida Cautelar
com pedido liminar para a antecipação da tutela? Caso positivo, como deve
proceder o ministro relator?
R - Sim, comporta. Nesse caso, reza o
§ 2º do artigo 5º da mencionada lei que "O relator poderá ouvir os
órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o
Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo de 5
(cinco) dias.
3) Considerando que aquele
"poderá" significa mera faculdade que não precisa ser observada, o
relator ministro Fachin optou por observá-la?
R - Sim, o ministro Fachin suspendeu,
por 6 ou 7 dias, o resultado da votação secreta da Câmara que elegeu
a chapa avulsa e mandou ouvir, em 5 dias, todas as partes envolvidas e contra
as quais o PCdoB direcionou a ação. E as partes atenderam ao chamado e
apresentaram seus arrazoados, feitos às pressas, é claro, porque 5 dias para
rebater uma ação de 74 páginas é prazo exíguo.
4) Ultrapassada esta fase, o que diz
a lei?
R - O ministro Relator imediatamente
submete (como de fato submeteu) ao plenário do STF aqueles pedidos de
liminares postos na Medida Cautelar, para que os 11 ministros apreciassem
e decidissem a respeito dos requerimentos. Cumpriu-se, portanto, o artigo 5º da
lei da ADPF: "O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta
de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de
descumprimento de preceito fundamental".
5) Com esse julgamento pelo plenário
a ação do PCdoB estava definitivamente decidida, sem necessidade do seu
prosseguimento e o processo terminou aí?
R - Não, não estava definitivamente
resolvida. O que foi debatido e julgado restringiu-se apenas às liminares
solicitadas na Medida Cautelar Incidental. O curso do processo era para
ter prosseguimento.
6) Em que parte a Lei nº 9882/99
determina o prosseguimento do processo após a apreciação e julgamento dos
pedidos de liminares na Medida Cautelar?
R - Esta parte está clara no artigo
6º que diz: "Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as
informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no
prazo de 10 (dez) dias". Observe-se aqui que o verbo solicitar é
imperativo: "solicitará". E não, "poderá solicitar". Neste
ponto, a lei retira do relator o poder discricionário, o poder de mera
faculdade, de mera conveniência, para lhe impor o dever, a
obrigatoriedade de, novamente, pedir mais informações, desta vez em 10 dias, o
dobro do prazo que a lei estipula para a apresentação das primeiras informações
no âmbito da Medida Cautelar. Isto porque, daí para frente vai-se debater,
analisar e julgar a questão de mérito.
7) E o que acontece após o prazo de
10 dias para a entrega das informações que integram esta segunda etapa do
processo?
R - A resposta está no artigo 7º da
lei: "Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório,
com cópia a todo os ministros, e pedirá dia para julgamento".
Observe-se que em nenhum outro artigo da lei a palavra "julgamento"
aparece escrita. Julgamento mesmo somente ocorre nesta segunda etapa, após o
plenário ter apreciado e decidido a respeito das liminares que sempre são
decididas à luz de dois princípios: "periculum in mora" (perigo da
demora do provimento final, eis que com o passar do tempo o dano pode ocorrer e
ser irreversível) e "fummus boni iuris" ( basta a fumaça do bom
direito, sem necessidade da constatação de um direito concreto, líquido e
certo, como se costuma dizer).
8) Então, o que de errado ocorreu na
sessão do STF dos dias 16/17 deste Dezembro em curso?
R - O erro foi a convolação de uma
decisão da Corte, restritiva às liminares, em decisão de mérito, definitiva
e final. Erradíssimo, porque a lei 9882/99 foi mutilada. Desprezou-se os
artigos 6º e 7º que estabelecem o prosseguimento da tramitação da ADPF após a
decisão sobre as liminares. Com isso, houve prejuízo em detrimento de uma
adequada e completa prestação jurisdicional e ao devido processo legal. E o
processo legal devido exigia que a ação ADPF do PCdoB prosseguisse. Sem poder,
sem amparo legal e em afronta à lei e à própria Constituição, o presidente, lá
no finalzinho da sessão, numa consulta rápida, sugeriu e o relator aceitou
que aquele julgamento em sede de Medida Cautelar fosse convolado em julgamento
definitivo, em julgamento de mérito, em julgamento final. Daí ter constado da
Ata: "Ao final, o Tribunal, por unanimidade, converteu o julgamento da
medida cautelar em julgamento de mérito". Como isso pode ter acontecido?.
Permissa vênia, constituiu decisão disparatada, esdrúxula,
teratológica e altamente prejudicial à segurança jurídica, ao devido
processo legal.
9) Existe jurisprudência dos
Tribunais Superiores que não aceitam este procedimento?
R - Sim, existe. Vem
do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Relator foi o ministro Teori
Zavaski, quanto integrava a Corte antes de ter assento no STF. Confira:
"Liminar e sentença são provimentos com natureza, pressupostos e
finalidades distintas e com eficácia temporal em momentos diferentes. Por isso
mesmo, a decisão que defere ou indefere liminar, mesmo quando proferida por
tribunal, não inibe a prolação e nem condiciona o resultado da sentença
definitiva..." ( STJ, 1ª Turma, Recurso Especial 667.281, julgado
em 16.5.2006). Em outras palavras: juiz e/ou tribunal não fica adstrito à
decisão primeira, que concedeu ou não liminar, nem a ela fica
condicionado, tendo inteira liberdade para decidir ao final do processo,
confirmando ou revogando a(s) liminar (es).
10) E agora, cabe recurso contra a
decisão do STF a respeito da ADPF do PCdoB?
R- Sim, cabe. Embora a Lei 988/99
diga que a decisão é irrecorrível, cabem Embargos de Declaração e Mandado
de Segurança. Ambos podem ser apresentados concomitantemente, com pedido para
que seja anulada a decisão que converteu o julgamento da Medida Cautelar em
decisão de mérito da ação principal, que é a ADPF do PCdoB e para que o
processo retome o seu curso, observando-se o dispostos nos artigos 6º e 7º da
referida lei.
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