Cidadania
TRAGÉDIA DE MARIANA-MG: INDENIZAÇÃO AMPLA, GERAL,
IRRESTRITA E IMEDIATA. AS VÍTIMAS NÃO PODEM ESPERAR.
Jorge Béja
Por mais de quarenta anos seguidos advoguei exclusivamente
na defesa de vítimas. Foram mais de três mil ações indenizatórias na
Justiça, sempre na defesa dos vitimados: chacina da candelária,
desabamento do viaduto da Avenida Paulo de Frontin, erros médicos, mal
atendimento nos hospitais, queda do edifício Palace II de Sérgio Naya, mortes
no Maracanãzinho, Bateau Mouche, assassinatos de detentos nas
penitenciárias, "bala perdida", acidentes
automobilísticos, ferroviários e aéreos, atropelamentos...Em Novembro
de 1993, a jornalista Márcia Vieira, então repórter da Revista Veja
(hoje, Márcia trabalha no O Globo), escreveu, na matéria de capa e de
7 páginas de conteúdo que assinou com Marceu Vieira e publicou na
edição nº 46, ano 26 da Veja-Rio: "onde tem uma tragédia lá está o
Béja para defender as vítimas". E Márcia me perguntou:
"Sente-se cansado?". "Exaurido. Cada cliente que vem ao meu
escritório é uma lágrima derramada", respondi. Então, em 2010, decidi
parar para não definhar de vez. Mas diante dessa tragédia de Mariana, me vejo
no dever de escrever. Não posso me calar. As vítimas precisam conhecer
seus direitos e os responsáveis seus deveres.
DANOS PESSOAIS E COLETIVOS DURADOUROS
DANOS PESSOAIS E COLETIVOS DURADOUROS
O título deste curto, resumido e doloroso artigo já diz
tudo: a indenização precisa ser a mais ampla, a mais abrangente,
geral, completa e irrestrita. Sem delongas e paga imediatamente. As
vítimas não podem esperar. A medida dessa tragédia não está no número de
mortos, mas na devastação que causou. Arrasou cidades (ou distritos) inteiras.
Tudo que encontrou pela frente a lama destruiu. Os vitimados perderam suas
identidades e suas referências. Perderam tudo. E os que
sobrevivem em tais condições não passam de mortos-vivos. E sem
aviso-prévio, sem meios de se defenderem, eles perambulam, de um lado para
outro, se é que ainda encontram força, física e emocional. São esses
danos, pessoais, materiais e imateriais, somados aos danos coletivos
(cidade que desaparece do mapa traz imenso sofrimento a todos que eram seus
habitantes) e aos irreversíveis danos ambientais, que levarão décadas para
serem minimamente compostos, é que dão a dimensão dessa tragédia. Mas a
experiência de quem conhece muito bem essas situações antecipa que os
vitimados não terão o amparo, imediato e espontâneo, de quem tem o indeclinável
dever de prestá-lo. Quem não se lembra da tragédia de Teresópolis?
Foi um fenômeno da natureza, com a concorrência de culpa da administração
pública. Até hoje, anos depois, as indenizações não foram pagas e a parte atingida
da cidade não foi reconstruída.
QUEM É O RESPONSÁVEL
O dever de indenizar é indiscutível. E a responsável nº 1
(caso não seja a única) é a empresa mineradora. Ela exercia atividade
de risco. E para o Direito, quem executa atividade de risco e dela tira
proveito econômico (risco-proveito) é indiscutivelmente responsável pela
reparação do dano que causar a terceiro. Onde está o ganho, o lucro, é aí que
reside o encargo (ubi emolumentum, ibi onus). Quem colhe os frutos da
exploração de atividade perigosa deve assumir as consequências prejudiciais que
dela decorrem. É inútil e sem cabimento levantar agora a possibilidade da
tragédia ter acontecido por causa de "abalos sísmicos" de
pequena magnitude!! De grande ou pequena magnitude, o princípio jurídico
do Risco assumido com a exploração de atividade perigosa, absorve a causa
fortuita (abalos sísmicos, no caso). Em suma: não tem lugar a Teoria da
Imprevisão, isto é, a excludente de responsabilidade por motivação de caso
fortuito ou de força maior quando a atividade econômica causadora
do dano se inclui no elenco daquelas denominadas "atividade de
risco". Apenas para ilustrar, duas outras atividades de risco
(entre muitas) que impõem o dever de reparar qualquer dano, sem
discussão em torno da culpa, é a exploração de energia elétrica e o
fabrico, guarda e transporte de material nuclear. Chamo a atenção para a
questão da prescrição, que é curta demais. O prazo para dar entrada na Justiça
com as ações de indenização é de apenas 3 (três) anos, a contar do dia do acidente.
Após, nada mais poderá ser feito. O direito de recorrer à Justiça estará
prescrito. Não poderá mais ser exercido.
NÃO PRECISARIA SER TÃO
DEMORADO
Mas haverá ações judiciais, demoradíssimas. Levarão uma
eternidade, apesar do empenho de defensores públicos, advogados,
promotoria pública e da magistratura. O bom e justo seria, a partir de ontem, a
empresa mineradora responsável ( e com responsabilidade e dignidade )
chamar cada vítima, cada conjunto familiar vitimado e deles obter uma
lista de todos dos bens materiais que perderam. E imediatamente
ressarci-los, sem delonga, sem contestação, sem duvidar, mas sempre acrescendo
verba a título de dano moral. Em tais situações, a palavra da vítima é
suficiente. É presumidamente verdadeira. Isso, sem prejuízo da expedição de
ordem judicial assinada pelos juízes das comarcas atingidas, tornando
indisponíveis todos os bens da empresa mineradora e de seus sócios, bem como o
bloqueio de todas as suas contas bancárias, para garantir o pagamento
das indenizações, cujo valor será astronômico, sem que se tenha a certeza da
existência de lastro para cobri-la.
DOIS PRECEDENTES OPOSTOS
Lembro duas tragédias aqui no Rio de Janeiro, em que advoguei
para as vítimas: Bateau Mouche e Palace II de Sérgio Naya. O primeiro, o
naufrágio da embarcação Bateau Mouche no Réveillon de 31.12.1988 (55 mortos).
As indenizações fixadas pela Justiça ainda não foram pagas, perto de 27 anos
depois. Há ações pendentes na Justiça. O segundo, o desabamento do Palace
II, em 22.2.1998, na Barra da Tijuca. Certo dia o deputado federal Sérgio Naya
ligou para meu escritório. Não o conhecia, nem ele a mim. Naya me pediu que
reunisse todas as vítimas que defendia, que fizesse uma relação das perdas e
sua estimativa em dinheiro e mandasse para o advogado Doutor Nilo
Batista . Então, me reuni com todos e atendemos. Foi o
suficiente. Naya pagou de uma só vez. E junto com o pagamento me presenteou com
um livro, porque eu nada cobrei de honorários advocatícios de meus clientes. Espera-se
da consciência do(s) responsável(veis) por essa tragédia de Mariana o mesmo
gesto que Naya teve com meus constituintes e clientes. Socorro, sem delongas e
sem malandragem.
Parabéns Professor por mais esse blog.
ResponderExcluirO artigo do Jorge (esclarecedor) demonstra que alguns o brasileiros tem memória curta. O deslizamento de morros em Angra está no esquecimento e as algumas famílias não receberam o auxílio aluguel e nenhuma indenização pelas perdas de casas e bens.
Álvaro
..seu amigo Jorge Béja, é "do cacete"...e, o Sérgio Naya, subiu no meu conceito...!!!
ResponderExcluirDe fato é, anônimo. Amigo de verdade há 46 anos.
ExcluirCataldi
Sérgio Naya fez por merecer pancadaria. Enquanto centenas de vítimas lutavam por indenizações, Naya posava no seu hotel em Brasília exigindo taça de cristal e champanha importada para beber, como mostrou a televisão na época. Mas comigo, Naya não foi assim. Pagou as indenizações devidas a todos os meus clientes e ainda mandou um livro que ele escreveu sobre o edifício Palace II.
ExcluirEste blog do Cataldi, meu amigo há mais de 40 anos, está mais do que ótimo. Logo de manhã cedo, acesso o blog para ficar atualizado com as notícias. Parece que o Cataldi não dorme e vara a madrugada em busca da notícia. Cataldi sempre foi assim, além de ser excelente e honesto advogado.
Jorge Béja
gratificante que estejam gostando. me esforço muito para isso. saúde e paz.
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