quarta-feira, 10 de junho de 2015

BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: A HISTÓRIA DE NOSSAS
VIDAS A CADA UM DE NÓS PERTENCE.
 
 
 Jorge Béja

 
 
Dizem que o julgamento no STF da questão sobre biografias não autorizadas começa hoje e hoje acaba. Não sei. Nem sei se hoje começa. Dizem, também, que a tendência é pela liberação. Que os ministros votariam pela inconstitucionalidade dos artigos do Código Civil que a proibem. Não vejo motivo para discussão. É de se reconhecer que se trata de questão relevante, mas sem complexidade. Direito é ciência. E o que é ciência progride, avança e revoluciona. Não retroage. E sobre essa questão que o STF pautou para hoje, a legislação brasileira está na vanguarda.Ñão precisa ser mexida. Qualquer alteração que nela venha ser introduzida será danosa e perigosa.
 
VIDA, BEM PRÓPRIO E PRECIOSO

 
A vida é o maior bem que uma pessoa possui. Nenhum outro lhe sobrepõe. É  bem imaterial. E no campo teológico, transcendental. É um bem que não se fabrica. Não se vende, não se compra, nem se troca. Situa-se fora do comércio. Dono dela é a própria pessoa, sem exceção. Tê-la, com exclusividade, é um Direito personalíssimo e absoluto, não susceptível de ser apropriado por ninguém. Nem pelo Estado-juiz, quando, barbarizando --- como ainda acontece --- a elimina a título de punição por delito cometido. E o que vem a ser biografia, senão a história da vida de uma pessoa? Para existir biografia é preciso antes ter existido vida. Sem vida, não há biografia. Daí porque a consequência lógica, justa e natural --- ontem, hoje e sempre --- é que somente cada um pode escrever e publicar a história da sua própria vida. Ou autorizar que terceiro a escreva e publique. Permitir, em nome da liberdade de expressão, ou em nome de qualquer outro princípio que, por oportunismo ou conveniência libertária, venha ser ocasionalmente criado ou instituído, que a vida de quem quer que seja venha ser contada e publicada por interposta pessoa desautorizada a tanto, é absurdamente inadmissível.
 
BIOGRAFIA NÃO É NOTÍCIA 
 
Não importa se a pessoa biografada seja um desconhecido ou um famoso. Um santo ou um político. Uma pessoa do bem ou um criminoso-delator. Biografia não é notícia. Não é do métier dos jornalistas nem do jornalismo. Biografia é literatura que expõe ao conhecimento público as completas e inteiras passagens de toda uma vida da biografado. Idealmente,  sem nada acrescentar nem omitir. Não é possível que a magistratura entregue esse personalíssimo bem para que terceiro passe a detê-lo e comercialmente explorá-lo, sem a anterior autorização do seu único dono, que é o biografado. Autorizar isso é o mesmo que permitir a que a casa de uma pessoa seja invadida, violada, sem autorização do morador.
 
DECISÃO DE BOM TAMANHO
 
Já a biografia de celebridades de todos os ramos e seguimentos da História, desde que não tenham descendente vivo, dentro do limite estabelecido na linha sucessória, é uma outra questão que o próprio Direito Nacional e Internacional disciplinam. Por ter caído no domínio público (vida e obra), não se exige do biógrafo autorização prévia, mesmo porque não existe mais ninguém credenciado a dá-la. No Brasil, a nossa Lei dos Direitos Autorais (LDA) trata disso com maestria. Bem que os ministros do STF poderiam hoje, ou no dia que for,  tomar a LDA como parâmetro para decidir esta Ação Direta de Inconstitucionalidade. Seria decisão de muito bom tamanho. No caso, o biográfo estaria desde já autorizado a escrever e publicar a biografia de alguém depois de passados 70 anos da morte do biografado.
 
 A DECISÃO DO STF SERÁ ASSIM?
 
Interessante e curioso. A Constituição Federal, da qual o STF é seu guardião, dispõe que "é inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação" (CF, artigo 5º, nº X). Aí está o principal impedimento para que uma pessoa, sem prévia autorização, possa escrever e publicar a biografia da outra,  pois, toda biografia (e biografia não é notícia) penetra na intimidade e na vida privada do biografado. Mas a CF ao mesmo tempo em que bate, assopra. Em que afaga, apedreja. Ela proibe a violação (por qualquer modo, meio e maneira que seja, é claro) da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Mas para quem as teve violada, compensa os danos, moral e material, com o pagamento de indenização!!. Ou seja: o pagamento da indenização se não faz desaparecer, atenua a violação. Será que os ministros do STF vão seguir esta linha análoga de raciocíno? Será que vão permitir a biografia não autorizada desde que o biografado não tenha a honra e a imagem ofendidas?. E quando ofendidas forem, o biografado (ou seus descendentes no limite da linha sucessória) passa a ter o direito de ir à Justiça com pedido de reparação dos danos, moral e material?. A decisão do STF será assim?. E por acaso, os processos judiciais não levam uma eternidade para chegar ao fim e nem sempre a pessoa sobrevive para ver seu direito restaurado?. E no que diz respeito à intimidade e à vida privada, a que todos têm direito, gente famosa ou não, como ficará?. Alguém conhece alguma biografia que não registre passagens da intimidade e da vida privada do biografado?  

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