OSCAR WILDE E SUA NETA BRASILEIRA:
100 ANOS DE SILÊNCIO
Jorge Béja (advogado
no RJ)
“Merlin Holland é o único neto do
famoso escritor irlandês Oscar Wilde, sendo filho de Vyvyan Holland e de sua
segunda esposa, Thelma Besant”. Esta informação da Wikipédia está correta? Sim,
não fosse quase um século de silêncio de uma surpreendente verdade, agora
revelada com exclusividade para os leitores deste conceituado blog. Wilde tem
outro neto, aliás, neta. Nascida em Londres, em Outubro de 1915, ela veio para
o Brasil, trazida por sua mãe e seu tio, no início da década de 40. “Todos fugimos da guerra, fomos morar em
Niterói e eu me naturalizei brasileira”, diz com orgulho e porte
majestático esta lúcida e altiva senhora H, que não quer aparecer e nem ser
encontrada, mesmo contrariando as ponderações de um grande amigo, cuidador e
confidente seu. Hoje morando no Grajaú, para onde se mudou do bairro Irajá(Rio
de Janeiro), declara, decidida: “Nunca
foi desejo de minha mãe e de meu tio contar quem éramos. E não será agora, no
fim da vida, que vou aparecer, dizer e provar que meu avô também deixou uma
neta e que o Merlin, que mora em Paris, também tem um prima-irmã. Aparecer e me
deixar mostrar para que? Perder a paz, com entrevistas e viagens? Ser
reconhecida onde eu for ou por onde eu andar? Ganhar algum dinheiro com
entrevistas? Não. Não quero”. Respeite-se sua determinação. Mas pelo menos
anunciar que a senhora existe e contar sua história de vida, sem foto, filmagem
ou gravação, seria possível? A
resposta, imediata e sem hesitação, foi positiva: “Sim, claro que sim, pode até usar um gravador”. Então, aqui está,
ajustada em 5 perguntas, para atender a forma, estilo e espaço do blog.
Por que as biografias de Oscar Wilde registram que apenas seu segundo
filho, Vyvyan, casou-se e teve um filho e nenhuma delas fala na existência da
senhora?
Sou filha de Cyrill, o primeiro filho de meu avô, Oscar Fingall
O’Flahertie Wills Wilde. Meu pai nasceu em Junho de 1885. Depois da morte de minha avó, Constance May
Lloyd, em 1898, meu pai estudou na Alemanha e seguiu a carreira militar. Morreu
em combate, durante a 1ª Guerra Mundial, em Maio de 1915 e deixou grávida de 4
meses minha mãe, com quem mantinha um romance escondido. Sou filha póstuma.
Quando nasci, em Outubro de 1915, meu pai já tinha morrido. Assim nasci,
cresci, envelheci e quero morrer: no anonimato.
Como e onde seus pais se conheceram e por que não se casaram?
Quando completei 15 anos de idade, minha mãe me contou tudo. Ela
trabalhava numa cafeteria em Londres e foi lá que se conheceram. Namoraram e
ela engravidou. Imagina o escândalo que seria se o caso fosse divulgado: uma
jovem inglesa, em plena Inglaterra vitoriana, solteira e grávida de um dos
filhos de Oscar Wilde! Por isso, o silêncio. Mas era certo que meu pai e minha
mãe iriam se casar. Eles se amavam muito. Foram o serviço militar e a
convocação para a guerra que impossibilitaram o casamento. O silêncio era uma
imposição daquela época. Jamais vergonha nossa, porque eu me orgulho da minha
descendência. E minha mãe também sentia-se honrada. Meu avô foi o maior
escritor britânico. Tudo para ele era amor. Olhava, sentia, agia, escrevia,
tudo com absoluto e pleno amor. Ele era lindo. Deu respostas seguras, poéticas e
magníficas ao juiz inglês que o interrogou. Viveu e morreu pelo amor, com amor
e do amor. Somente amor.
Como a senhora responderia a quem lhe pedisse que provasse que é neta
de Oscar Wilde?
Essa pergunta nunca ninguém me fez e nunca fará, porque nunca ninguém
soube quem sou e nunca saberá. Mas eu
compreenderia a pergunta e não ficaria aborrecida. Claro que não. E mostraria
esse monte de cartas manuscritas (mais de 10 foram exibidas e entregues
para ler) que meu pai mandou para minha
mãe já grávida. Em todas, ele comenta ‘que nome daremos ao nosso filho que vai
nascer? Será menino ou menina? Quero casar antes do nascimento ’. Também tem
essas fotos. Não envelheceram, nem amarelaram. Parecem tiradas poucos anos
atrás. Nestas aqui aparece meu pai, Cyrill, acariciando e beijando a barriga já
estufada de minha mãe. Tenho também este xale que meu pai deu para minha mãe
guardar e que foi de meu avô. Nele estão as letras bordadas “O.W” e no verso o nome do fabricante irlandês e o
ano 1879. Tenho também esta bengala com uma pequena placa de ouro com o nome”
Oscar Wilde”, também relíquia que minha mãe ganhou de meu pai.
Como foi a viagem de vocês para o Brasil?
Viajamos de navio e fomos morar em Niterói, perto de outros ingleses:
minha mãe, meu tio e eu, todos solteiros. Minha mãe começou a costurar e logo
teve freguesia rica que pagava bem. Meu tio, irmão dela, era excelente mecânico
de automóvel e não faltou serviço. E eu aprendi rapidamente a falar e escrever
corretamente o português e passei a dar aula particular de inglês para muitos
alunos. Assim, conseguimos sobreviver. Anos depois eu pedi e obtive a
naturalização. Fiz algumas viagens de Niterói ao Rio, onde funcionava o
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, na Rua México, e em pouco tempo
saiu publicado o decreto de naturalização. Sou brasileira, com muito orgulho.
Sou agradecida ao Brasil. É o melhor povo do mundo, porque solidário,
hospitaleiro, pacífico, alegre. Hoje vivo da aposentadoria do INSS, por ter
contribuído como professora e autônoma, além do reforço que recebo de um amigo
muito querido.
A senhora teve alguma aspiração que não conseguiu realizar?
Sim.
Mais do que ter inscrito nos meus documentos o nome de meu pai, meu desejo era
ir a Paris, visitar o túmulo de meu avô no Cemitério do Père Lachaise e me
hospedar no Hotel d’Alsace, na Rue des Beaux-Arts, o mesmo em que morreu meu
avô, em 30 de Novembro de 1900. Agora
não dá mais. Tenho boa saúde, mas muita idade. A viagem de avião leva muitas
horas e o Concorde acabou. Que pena. Mas eu vejo o túmulo e o hotel pela
internet.O Jurista Jorge Beja é Advogado militante no Rio de Janeiro e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.
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