quinta-feira, 11 de abril de 2013



OSCAR WILDE E SUA NETA BRASILEIRA: 100 ANOS DE SILÊNCIO

Jorge Béja (advogado no RJ)

“Merlin Holland é o único neto do famoso escritor irlandês Oscar Wilde, sendo filho de Vyvyan Holland e de sua segunda esposa, Thelma Besant”. Esta informação da Wikipédia está correta? Sim, não fosse quase um século de silêncio de uma surpreendente verdade, agora revelada com exclusividade para os leitores deste conceituado blog. Wilde tem outro neto, aliás, neta. Nascida em Londres, em Outubro de 1915, ela veio para o Brasil, trazida por sua mãe e seu tio, no início da década de 40. “Todos fugimos da guerra, fomos morar em Niterói e eu me naturalizei brasileira”, diz com orgulho e porte majestático esta lúcida e altiva senhora H, que não quer aparecer e nem ser encontrada, mesmo contrariando as ponderações de um grande amigo, cuidador e confidente seu. Hoje morando no Grajaú, para onde se mudou do bairro Irajá(Rio de Janeiro), declara, decidida: “Nunca foi desejo de minha mãe e de meu tio contar quem éramos. E não será agora, no fim da vida, que vou aparecer, dizer e provar que meu avô também deixou uma neta e que o Merlin, que mora em Paris, também tem um prima-irmã. Aparecer e me deixar mostrar para que? Perder a paz, com entrevistas e viagens? Ser reconhecida onde eu for ou por onde eu andar? Ganhar algum dinheiro com entrevistas? Não. Não quero”. Respeite-se sua determinação. Mas pelo menos anunciar que a senhora existe e contar sua história de vida, sem foto, filmagem ou gravação, seria possível? A resposta, imediata e sem hesitação, foi positiva: “Sim, claro que sim, pode até usar um gravador”. Então, aqui está, ajustada em 5 perguntas, para atender a forma, estilo e espaço do blog.

Por que as biografias de Oscar Wilde registram que apenas seu segundo filho, Vyvyan, casou-se e teve um filho e nenhuma delas fala na existência da senhora?

Sou filha de Cyrill, o primeiro filho de meu avô, Oscar Fingall O’Flahertie Wills Wilde. Meu pai nasceu em Junho de 1885.  Depois da morte de minha avó, Constance May Lloyd, em 1898, meu pai estudou na Alemanha e seguiu a carreira militar. Morreu em combate, durante a 1ª Guerra Mundial, em Maio de 1915 e deixou grávida de 4 meses minha mãe, com quem mantinha um romance escondido. Sou filha póstuma. Quando nasci, em Outubro de 1915, meu pai já tinha morrido. Assim nasci, cresci, envelheci e quero morrer: no anonimato.

Como e onde seus pais se conheceram e por que não se casaram?

Quando completei 15 anos de idade, minha mãe me contou tudo. Ela trabalhava numa cafeteria em Londres e foi lá que se conheceram. Namoraram e ela engravidou. Imagina o escândalo que seria se o caso fosse divulgado: uma jovem inglesa, em plena Inglaterra vitoriana, solteira e grávida de um dos filhos de Oscar Wilde! Por isso, o silêncio. Mas era certo que meu pai e minha mãe iriam se casar. Eles se amavam muito. Foram o serviço militar e a convocação para a guerra que impossibilitaram o casamento. O silêncio era uma imposição daquela época. Jamais vergonha nossa, porque eu me orgulho da minha descendência. E minha mãe também sentia-se honrada. Meu avô foi o maior escritor britânico. Tudo para ele era amor. Olhava, sentia, agia, escrevia, tudo com absoluto e pleno amor. Ele era lindo. Deu respostas seguras, poéticas e magníficas ao juiz inglês que o interrogou. Viveu e morreu pelo amor, com amor e do amor. Somente amor.

Como a senhora responderia a quem lhe pedisse que provasse que é neta de Oscar Wilde?

Essa pergunta nunca ninguém me fez e nunca fará, porque nunca ninguém soube quem  sou e nunca saberá. Mas eu compreenderia a pergunta e não ficaria aborrecida. Claro que não. E mostraria esse monte de cartas manuscritas (mais de 10 foram exibidas e entregues para ler) que meu pai mandou para minha mãe já grávida. Em todas, ele comenta ‘que nome daremos ao nosso filho que vai nascer? Será menino ou menina? Quero casar antes do nascimento ’. Também tem essas fotos. Não envelheceram, nem amarelaram. Parecem tiradas poucos anos atrás. Nestas aqui aparece meu pai, Cyrill, acariciando e beijando a barriga já estufada de minha mãe. Tenho também este xale que meu pai deu para minha mãe guardar e que foi de meu avô. Nele estão as letras bordadas “O.W”  e no verso o nome do fabricante irlandês e o ano 1879. Tenho também esta bengala com uma pequena placa de ouro com o nome” Oscar Wilde”, também relíquia que minha mãe ganhou de meu pai.

Como foi a viagem de vocês para o Brasil?

Viajamos de navio e fomos morar em Niterói, perto de outros ingleses: minha mãe, meu tio e eu, todos solteiros. Minha mãe começou a costurar e logo teve freguesia rica que pagava bem. Meu tio, irmão dela, era excelente mecânico de automóvel e não faltou serviço. E eu aprendi rapidamente a falar e escrever corretamente o português e passei a dar aula particular de inglês para muitos alunos. Assim, conseguimos sobreviver. Anos depois eu pedi e obtive a naturalização. Fiz algumas viagens de Niterói ao Rio, onde funcionava o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, na Rua México, e em pouco tempo saiu publicado o decreto de naturalização. Sou brasileira, com muito orgulho. Sou agradecida ao Brasil. É o melhor povo do mundo, porque solidário, hospitaleiro, pacífico, alegre. Hoje vivo da aposentadoria do INSS, por ter contribuído como professora e autônoma, além do reforço que recebo de um amigo muito querido.

A senhora teve alguma aspiração que não conseguiu realizar?
Sim. Mais do que ter inscrito nos meus documentos o nome de meu pai, meu desejo era ir a Paris, visitar o túmulo de meu avô no Cemitério do Père Lachaise e me hospedar no Hotel d’Alsace, na Rue des Beaux-Arts, o mesmo em que morreu meu avô, em 30 de Novembro de 1900.  Agora não dá mais. Tenho boa saúde, mas muita idade. A viagem de avião leva muitas horas e o Concorde acabou. Que pena. Mas eu vejo o túmulo e o hotel pela internet.

O Jurista Jorge Beja é Advogado militante no Rio de Janeiro e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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