sexta-feira, 19 de abril de 2013


 

MARACANÃ: CADEIRAS PERPÉTUAS, COPA E PRIVATIZAÇÃO DO ESTÁDIO

Jorge Béja

Embora ainda não se tenha notícia da existência de litígio judicial, a briga já acontece em defesa do direito à utilização das cadeiras perpétuas do Maracanã, por seus titulares, durante a Copa das Confederações, a Copa do Mundo de 2014 e após à privatização do estádio. À primeira vista, a questão não parece suscitar discussão jurídica: tratar-se-ía do Direito Adquirido, princípio constitucional pétreo e, com isso, nem as Copas, comandadas pela Fifa, nem a privatização do estádio poderiam ignorar o direito dos donos das cadeiras.

No entanto, a questão é um tanto complexa. Que haverá uma enxurrada de ações na Justiça propostas pelos titulares das cadeiras, é certo. Também é certo que muitas liminares, reconhecendo o Direito Adquirido, serão concedidas e outras negadas. Que haverá recursos para as instâncias superiores certo é, também. O prenúncio é de um generalizado conflito de decisões.

Tudo começou com a Lei nº 57, de 11 de Novembro de 1947, sancionada pelo prefeito Ângelo Mendes de Morais, do então Distrito Federal. Referida lei autorizou a prefeitura do DF a construir “um grande Estádio Municipal e cinco outros pequenos estádios: 2 ao longo da linha da Central do Brasil; 2 ao longo da linha da Leopoldina e 1 entre a linha Auxiliar e a Rio Douro”. A mesma lei autorizou o poder público a proceder às desapropriações necessárias para a edificação dos estádios e a emissão de títulos para a criação de fundo visando a construção do que a lei denominou de “Grande Estádio”, assegurando-se a cada portador (comprador) dos títulos o direito a uma cadeira numerada (Artigo 3º, nº 2, letra “b”). Com isso, muitos foram os  interessados que compareceram, compraram os títulos e receberam suas cadeiras perpétuas. E por se tratar de um direito próprio, com a morte do titular da cadeira, o bem foi, sucessivamente, sendo transmitido a seus herdeiros e sucessores, embora ainda estejam vivos muitos daqueles que, pessoalmente, adquiriram os títulos e o direito à cadeira perpétua.

Cada cadeira perpétua do Maracanã (Estádio Jornalista Mario Filho) nada mais é do que um título adquirido por seu titular e pelo qual se obrigou a Administração Pública. Sua natureza jurídica é de contrato de concessão de uso do domínio público através do qual se outorgou direitos especiais de utilização da cadeira pelo particular. O mesmo acontece com as linhas telefônicas e com os chamados “jazigos perpétuos” nos cemitérios que são municipais. O particular que os adquire passa a ter a posse plena, mas sem o domínio, que continua a pertencer ao poder público concedente.

Não se trata, portanto, do direito real de propriedade, oponível a quem se aventure a esbulhá-lo ou dele se apropriar por meios que afrontem a lei. Ainda assim, mesmo transitório e com certa marca de precariedade, as Copas da Fifa e a privatização do Estádio não podem, absolutamente, fazer romper este contrato de concessão de uso do domínio público e impedir que os titulares de cadeiras perpétuas delas façam uso durante os certames e o tempo de privatização. A uma, porque certa exigência ou condição da Fifa não pode se sobrepor ao Direito Brasileiro, sob pena da perda, pelo Brasil, da  sua soberania nacional e, pelos Estados-federados, de suas soberanias próprias e internas. A duas, porque um bem ou serviço público, mesmo sob o regime da privatização, não perde sua natureza pública e o poder concedente e o concessionário se obrigam a respeitar os contratos que o primeiro (o poder concedente) firmou com terceiros, como é o caso das cadeiras perpétuas do Maracanã que retroagem ao ano de 1947. Desse raciocínio, lógico, plausível e jurídico, devem o Estado do Rio de Janeiro, a Fifa e a pessoa, natural ou jurídica que vencer a licitação para administrar o Estádio, respeitar e manter incólumes todos os contratos que a Lei 57, de 1947, do então Distrito Federal, permitiu e autorizou fossem firmados, entre a administração pública e o particular.

E que se cuidem o Estado do Rio de Janeiro e a empresa que vencer a licitação para administrar o Maracanã!! Anos e anos atrás, o então prefeito de Barra Mansa, o fidalgo e competente médico Luis do Amaral Suckow me procurou para saber se sua família poderia, mesmo passado mais de meio século, reivindicar toda a área onde foi construído o Maracanã e o próprio estádio. Segundo o prefeito, a área pertencia a um ascendente seu, Hans Wilhelm Von Suckow (28.8.1797 – 07.1.1869), também chamado de Major Suckow. E após a mudança do antigo Derby Club para a Gávea, onde passou a funcionar o Jóckey Club Brasileiro (a área em que foi erguido o Maracanã era antes hipódromo, o Derby Club), a desapropriação ocorrida em 1947, para a construção do Maracanã, teria sido desapropriação indireta, ou seja, sem a prévia e justa indenização. Após estudo, concluí pela possibilidade da reivindicação da área e do próprio estádio, pelos descendentes do Major Suckow. Seja porque até hoje não se consumou a prescrição, uma vez que nas chamadas desapropriações indiretas ,ou “manu militari”, não corre prescrição enquanto perdurar a violência do ato, seja porque, como é de trivial sabença, quem constrói em terreno alheio, sem autorização do dono da área, perde a construção em favor do proprietário do terreno. Assim, seus herdeiros, sucessores e descendentes, não importa em que linha ou em que grau  estejam, podem, a qualquer momento e época ingressar na Justiça com a competente Ação Reivindicatória, inclusive com pedido de liminar de imissão de posse. Bastam a vontade e a decisão da família.
 
O Jurista Jorge Béja é advogado militante no Rio de Janeiro e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Jorge

Nenhum comentário:

Postar um comentário