MARACANÃ:
CADEIRAS PERPÉTUAS, COPA E PRIVATIZAÇÃO DO ESTÁDIO
Jorge Béja
Embora
ainda não se tenha notícia da existência de litígio judicial, a briga já
acontece em defesa do direito à utilização das cadeiras perpétuas do Maracanã,
por seus titulares, durante a Copa das Confederações, a Copa do Mundo de 2014 e
após à privatização do estádio. À primeira vista, a questão não parece suscitar
discussão jurídica: tratar-se-ía do Direito Adquirido, princípio constitucional
pétreo e, com isso, nem as Copas, comandadas pela Fifa, nem a privatização do
estádio poderiam ignorar o direito dos donos das cadeiras.
No
entanto, a questão é um tanto complexa. Que haverá uma enxurrada de ações na
Justiça propostas pelos titulares das cadeiras, é certo. Também é certo que
muitas liminares, reconhecendo o Direito Adquirido, serão concedidas e outras
negadas. Que haverá recursos para as instâncias superiores certo é, também. O
prenúncio é de um generalizado conflito de decisões.
Tudo
começou com a Lei nº 57, de 11 de Novembro de 1947, sancionada pelo prefeito
Ângelo Mendes de Morais, do então Distrito Federal. Referida lei autorizou a
prefeitura do DF a construir “um grande Estádio Municipal e cinco outros
pequenos estádios: 2 ao longo da linha da Central do Brasil; 2 ao longo da
linha da Leopoldina e 1 entre a linha Auxiliar e a Rio Douro”. A mesma lei
autorizou o poder público a proceder às desapropriações necessárias para a
edificação dos estádios e a emissão de títulos para a criação de fundo visando
a construção do que a lei denominou de “Grande Estádio”, assegurando-se a cada
portador (comprador) dos títulos o direito a uma cadeira numerada (Artigo 3º,
nº 2, letra “b”). Com isso, muitos foram os interessados que
compareceram, compraram os títulos e receberam suas cadeiras perpétuas. E por
se tratar de um direito próprio, com a morte do titular da cadeira, o bem foi,
sucessivamente, sendo transmitido a seus herdeiros e sucessores, embora ainda
estejam vivos muitos daqueles que, pessoalmente, adquiriram os títulos e o
direito à cadeira perpétua.
Cada
cadeira perpétua do Maracanã (Estádio Jornalista Mario Filho) nada mais é do
que um título adquirido por seu titular e pelo qual se obrigou a Administração
Pública. Sua natureza jurídica é de contrato de concessão de uso do domínio
público através do qual se outorgou direitos especiais de utilização da cadeira
pelo particular. O mesmo acontece com as linhas telefônicas e com os chamados
“jazigos perpétuos” nos cemitérios que são municipais. O particular que os
adquire passa a ter a posse plena, mas sem o domínio, que continua a pertencer
ao poder público concedente.
Não se
trata, portanto, do direito real de propriedade, oponível a quem se aventure a
esbulhá-lo ou dele se apropriar por meios que afrontem a lei. Ainda assim,
mesmo transitório e com certa marca de precariedade, as Copas da Fifa e a privatização
do Estádio não podem, absolutamente, fazer romper este contrato de concessão de
uso do domínio público e impedir que os titulares de cadeiras perpétuas delas
façam uso durante os certames e o tempo de privatização. A uma, porque certa
exigência ou condição da Fifa não pode se sobrepor ao Direito Brasileiro, sob
pena da perda, pelo Brasil, da sua soberania nacional e, pelos
Estados-federados, de suas soberanias próprias e internas. A duas, porque um
bem ou serviço público, mesmo sob o regime da privatização, não perde sua
natureza pública e o poder concedente e o concessionário se obrigam a respeitar
os contratos que o primeiro (o poder concedente) firmou com terceiros, como é o
caso das cadeiras perpétuas do Maracanã que retroagem ao ano de 1947. Desse
raciocínio, lógico, plausível e jurídico, devem o Estado do Rio de Janeiro, a
Fifa e a pessoa, natural ou jurídica que vencer a licitação para administrar o
Estádio, respeitar e manter incólumes todos os contratos que a Lei 57, de 1947,
do então Distrito Federal, permitiu e autorizou fossem firmados, entre a
administração pública e o particular.
E que se
cuidem o Estado do Rio de Janeiro e a empresa que vencer a licitação para
administrar o Maracanã!! Anos e anos atrás, o então prefeito de Barra Mansa, o
fidalgo e competente médico Luis do Amaral Suckow me procurou para saber se sua
família poderia, mesmo passado mais de meio século, reivindicar toda a área
onde foi construído o Maracanã e o próprio estádio. Segundo o prefeito, a área
pertencia a um ascendente seu, Hans Wilhelm Von Suckow (28.8.1797 – 07.1.1869),
também chamado de Major Suckow. E após a mudança do antigo Derby Club para a
Gávea, onde passou a funcionar o Jóckey Club Brasileiro (a área em que foi
erguido o Maracanã era antes hipódromo, o Derby Club), a desapropriação
ocorrida em 1947, para a construção do Maracanã, teria sido desapropriação
indireta, ou seja, sem a prévia e justa indenização. Após estudo, concluí pela
possibilidade da reivindicação da área e do próprio estádio, pelos descendentes
do Major Suckow. Seja porque até hoje não se consumou a prescrição, uma vez que
nas chamadas desapropriações indiretas ,ou “manu militari”, não corre
prescrição enquanto perdurar a violência do ato, seja porque, como é de trivial
sabença, quem constrói em terreno alheio, sem autorização do dono da área,
perde a construção em favor do proprietário do terreno. Assim, seus herdeiros,
sucessores e descendentes, não importa em que linha ou em que grau
estejam, podem, a qualquer momento e época ingressar na Justiça com a
competente Ação Reivindicatória, inclusive com pedido de liminar de imissão de
posse. Bastam a vontade e a decisão da família.
O Jurista Jorge Béja é advogado militante no Rio de Janeiro e Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.
Jorge