OPINIÃO
Golpe, não! Mas é um baque
desastroso para as esquerdas
Luiz Salgado Ribeiro
Há uns 80 anos a esquerda tentava chegar ao poder no Brasil.
E chegou! Não, pelas armas, como sonhou Prestes, em 1935, ou seus seguidores,
mais recentemente, nos anos de chumbo da ditadura militar.
A esquerda chegou ao poder maior da República, sem derramar
sangue; sem disparar tiro algum. Tudo aconteceu bem do jeito estabelecido pela
democracia representativa, que as esquerdas gostavam tanto de condenar. Voto na
urna, vencedor no poder! Tudo simples, limpo, sem traumas, nem arroubos
heróicos. Coisa civilizada, pacífica e ordeira, do jeito que o nosso povo
gosta.
Por isso – e talvez ainda muito mais por ter sido assim – a
chegada da esquerda ao poder foi um grande salto para a frente da democracia
brasileira e uma enorme e preciosa vitória para as esquerdas mundiais
simplesmente porque o Brasil é um dos primeiros países do planeta. Aí, bastavam
mais um pouco de bolsas famílias; um mínimo de reforma agrária; uma pátria
realmente educadora e doses bem medidas de suas políticas sociais, para as
esquerdas se enraizarem no poder e transformarem o Brasil em um grande e bom
exemplo para o mundo.
Então, o que tinha tudo para dar maravilhosamente certo deu tudo
desastrosamente errado. Pior: desta vez não dá para culpar os tentáculos
do polvo capitalista, nem a CIA, ou qualquer outro bode expiatório de
costume. Não dá para disfarçar que a culpa do desastre
cabe a dirigentes do PT que foram com muita sede ao pote.
Talvez tenha sido por causa de uma espécie de reflexo retardado.
No tempo da luta armada, muitos deles estavam com a cabeça programada para
assaltar bancos, na “heróica” tarefa de matar ou morrer, na busca de recursos
para a revolução; para a tomada do poder. Agora que o poder estava tomado –
pacificamente, é bom que se destaque - o motivo para os assaltos tinha deixado
de existir. Mas não dava para resistir a tentação de tantos cofres federais de
portas escancaradas! Era só pegar e levar! Nenhum tiro; nenhuma gota de sangue
- próprio ou de inocentes bancários.
Não havia limite do quanto levar, para encher os cofres do
partido e – além dos bolsos e cuecas de militantes – muitas contas privadas e
secretas, em paraísos fiscais.
Somou-se à pilhagem generalizada dos recursos federais, uma
vertiginosa incompetência para gerir a máquina pública. Resultado: um Brasil
cheio de chagas, doendo na carne de quase 200 milhões de brasileiros.
Aí, não poderia dar outra: a presidenta está
na marca do pênalti. No seu legítimo “direito de espernear” ela mobiliza
lideranças esquerdistas nacionais e internacionais para dizer que está sofrendo
um incrível golpe, previsto pela Constituição, regulamentado pelo Supremo
Tribunal Federal e apoiado por muito mais da metade da população do país. Ou
seja: está tornando cada vez mais ridículo o triste fim da sua vida pública.
Melhor seria que ela encarasse a realidade. Fizesse uma
autocrítica, reconhecendo que só chegou ao poder empurrada e sustentada pela
lambança petista, que ela não armou, mas não teve como conter. Certamente não
salvaria seu mandato. Mas salvaria sua reputação perante a História.
Nessa mesma tragédia, dá dó ouvir a lengalenga do golpe entoada
por um coro de gente séria; por idealistas realmente comprometidos com causas
igualitárias; por pessoas que nunca sujaram as mãos no dinheiro do mensalão, do
petrolão ou de outras maracutaias.
Esses valorosos líderes da esquerda – que não corromperam, nem se
deixaram corromper - fariam muito melhor se diagnosticassem -
racionalmente – seus próprios erros – para não repetí-los. E mais: se cobrassem
duramente de cabeças do PT a responsabilidade pelo crime de traição
às esquerdas mundiais, por ter jogado no lixo tantos e tantos anos de luta, de
coragem e de idealismo.
No rumo em que estão indo - parecendo quixotes investindo contra o
golpe-dragão-moinho de vento - essas pessoas corretas se desmoralizam, se
descredenciam e, talvez, seja necessário bem mais que outros
80 anos, para que seus bons propósitos possam voltar ao poder.
Luiz Salgado Ribeiro – “Nascido em Pindamonhangaba, SP, em 1944, iniciou carreira jornalística
em novembro de 1964”. Atuou na Gazeta, Estadão e Agência Estado, entre outros
órgãos de imprensa...
Nenhum comentário:
Postar um comentário