sábado, 30 de abril de 2016

OPINIÃO
Golpe, não! Mas é um baque
desastroso para as esquerdas
Luiz Salgado Ribeiro
Há uns 80 anos a esquerda tentava chegar  ao poder no Brasil. E chegou! Não, pelas armas, como sonhou Prestes, em 1935, ou seus seguidores, mais recentemente, nos anos de chumbo da ditadura militar.
A esquerda chegou ao poder maior da República, sem derramar sangue; sem disparar tiro algum. Tudo aconteceu bem do jeito estabelecido pela democracia representativa, que as esquerdas gostavam tanto de condenar. Voto na urna, vencedor no poder! Tudo simples, limpo, sem traumas, nem arroubos heróicos. Coisa civilizada,  pacífica e ordeira, do jeito que o nosso povo gosta.
Por isso – e talvez ainda muito mais por ter sido assim – a chegada da esquerda ao poder foi um grande salto para a frente da democracia brasileira e uma enorme e preciosa vitória para as esquerdas mundiais simplesmente porque o Brasil é um dos primeiros países do planeta. Aí, bastavam mais um pouco de bolsas famílias; um mínimo de reforma agrária; uma pátria realmente educadora e doses bem medidas de suas políticas sociais, para as esquerdas se enraizarem no poder e transformarem o Brasil em um grande e bom exemplo para o mundo.
Então, o que tinha tudo para dar maravilhosamente certo deu tudo desastrosamente errado. Pior: desta vez não dá para culpar  os tentáculos do polvo capitalista, nem a CIA, ou qualquer outro bode expiatório de costume.   Não dá para disfarçar  que a culpa do desastre cabe  a dirigentes do PT que foram com muita sede ao pote.
Talvez tenha sido por causa de uma espécie de reflexo retardado. No tempo da luta armada, muitos deles estavam com a cabeça programada para assaltar bancos, na “heróica” tarefa de matar ou morrer, na busca de recursos para a revolução; para a tomada do poder. Agora que o poder estava tomado – pacificamente, é bom que se destaque - o motivo para os assaltos tinha deixado de existir. Mas não dava para resistir a tentação de tantos cofres federais de portas escancaradas! Era só pegar e levar! Nenhum tiro; nenhuma gota de sangue - próprio ou de inocentes bancários.
Não havia limite  do quanto levar, para encher os cofres do partido e – além dos bolsos e cuecas de militantes – muitas contas privadas e secretas, em paraísos fiscais.
Somou-se à pilhagem generalizada dos recursos federais, uma vertiginosa incompetência para gerir a máquina pública. Resultado: um Brasil cheio de chagas, doendo na carne de quase 200 milhões de brasileiros.
Aí, não poderia dar outra: a presidenta está na marca do pênalti. No seu legítimo “direito de espernear” ela mobiliza  lideranças esquerdistas nacionais e internacionais para dizer que está sofrendo um incrível golpe, previsto pela Constituição, regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal e apoiado por muito mais da metade da população do país. Ou seja: está tornando cada vez mais ridículo o triste fim da sua vida pública.
Melhor seria que ela encarasse a realidade. Fizesse uma autocrítica, reconhecendo que só chegou ao poder empurrada e sustentada pela lambança petista, que ela não armou, mas não teve como conter. Certamente não salvaria seu mandato. Mas salvaria sua reputação perante a História.
Nessa mesma tragédia, dá dó ouvir a lengalenga do golpe entoada por um coro de gente séria; por idealistas realmente comprometidos com causas igualitárias; por pessoas que nunca sujaram as mãos no dinheiro do mensalão, do petrolão ou de outras maracutaias.
Esses valorosos líderes da esquerda – que não corromperam, nem se deixaram corromper - fariam muito melhor se diagnosticassem  - racionalmente – seus próprios erros – para não repetí-los. E mais: se cobrassem duramente de cabeças  do PT a responsabilidade pelo crime de traição  às esquerdas mundiais, por ter jogado no lixo tantos e tantos anos de luta, de coragem e de idealismo.
No rumo em que estão indo - parecendo quixotes investindo contra o golpe-dragão-moinho de vento -  essas pessoas corretas se desmoralizam, se descredenciam  e,  talvez,  seja necessário bem mais que outros 80 anos, para que seus bons propósitos possam voltar ao poder.

Luiz Salgado Ribeiro – “Nascido em Pindamonhangaba, SP, em 1944, iniciou carreira jornalística em novembro de 1964”. Atuou na Gazeta, Estadão e Agência Estado, entre outros órgãos de imprensa...

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