'El País' - A máscara do gigante
No
futebol como na política é sempre preferível a verdade, diz Mario Vargas
Llosa
Em artigo publicado no El País no último dia
12, Mario Vargas Llosa afirma que lamenta muito a derrota catastrófica do
Brasil contra a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confessa que não
ficou surpreso. "De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se
parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que
deslumbrou a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas
primeiras apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira
ofereceu uma pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no
passado, mas para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira
europeia", escreveu no texto intitulado "A máscara do gigante".
Mario
Vargas Llosa prossegue afirmando: "Nada funcionava bem; havia algo
forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia em um
rendimento sem graça de toda a equipe, incluído o de sua estrela máxima,
Neymar. Todos os jogadores pareciam sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé,
Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico – seduzia porque estimulava o brilho e a
criatividade de cada um, e disso resultava que a equipe brasileira, além de
fazer gols, brindava um espetáculo soberbo, no qual o futebol transcendia a si
mesmo e se transformava em arte: coreografia, dança, circo, balé."
O
escritor destaca que os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz
Felipe Scolari, o treinador brasileiro, "a quem responsabilizaram pela
humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de
jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e
iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus
jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos."
Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente
sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já
há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente
desmentida por uma realidade profunda, prossegue o artigo do El Pais.
Mario
Vargas Llosa destaca que tudo nasce com o governo de Luis Inácio 'Lula' da
Silva (2003-2010). "Segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso
decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse
gigante adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis
estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia
eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente
16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não
é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e
discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se
reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o
lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta
ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e
corruptas, as sementes da catástrofe."
Segundo
Llosa, "a verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma
miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro.
Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde
produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que
um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos
programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos
delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e
dos atuais) à prisão e ao banco dos réus."
O
artigo destaca que as alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas
enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram
um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi
desestimulando o investimento. "Por outro lado, o Estado embarcou muitas
vezes em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos
empreendidos tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável
exemplo."
Mario
Vargas Llosa prossegue afirmando: "O governo brasileiro disse que não
havia dinheiro público nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era
mentira. O BNDES (Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social)
financiou quase todas as empresas que receberam os contratos para obras de
infraestrutura e, todas elas, subsidiavam o Partido dos Trabalhadores,
atualmente no poder. (Calcula-se que para cada dólar doado tenham obtido entre
15 e 30 em contratos)."
"As
obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica
irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam necessários,
segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que a metade das
reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só
será concluída depois do campeonato. Não é de se estranhar que o protesto
popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões publicitárias e
eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às ruas e mexesse com
todo o Brasil."
De
acordo com Mario Vargas Llosa, as cifras que os órgãos internacionais, como o
Banco Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante
alarmantes. "Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas
1,5%, uma queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais
somente roçou os 2%. As perspectivas de investimento privado são muito
escassas, pela desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo
original e resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com
mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a
atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas."
Apesar
de um horizonte tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira
imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica os impostos ao mesmo
tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se espalhasse a
insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso, segundo as
pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e continuará
governando inspirada nas realizações e logros de Lula, prossegue o artigo.
"Se
assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria ruína, e mais cedo
do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado o modelo
brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol que a
Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um
país do que destruí-lo. E que, em todos esses anos, primeiro com Lula e depois
com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão pagar, quando
tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade que aquelas
políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil
tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou
Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua
moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína
economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar
aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas
práticas daninhas", escreve Mario Vargas Llosa.
O
escritor conclui afirmando que não só os brasileiros foram vítimas da miragem
fabricada por Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. "Por
que a política externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e
apoio descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás
Maduro, e de uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de
apoio nos organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os
países lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os
governos populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na
Nicarágua e de Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos
representativos em toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo
protetor."
Para
finalizar, ele escreve: "Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse
suposto gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros.
O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como
na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja
doloroso – ater-se à verdade."