RACISMO E HISTÓRIA
Pedro Beja Aguiar
“José,
menino preto, nascido na Cidade de Deus, filho de mãe solteira, cresceu ao
redor da maior boca de fumo da favela, na década de 90. Eulália, sua mãe,
trabalhou a vida inteira como doméstica, em casas de famílias da Zona
Sul do Rio de Janeiro. José cresceu sem pai, vítima dos abusos de violência no
bairro da Cidade de Deus.”
Esta
pequena história, sem arremedos e sem digressões, atinge grande parte das
realidades no Brasil das massas. É ela, quase sempre, a gênese
dos inúmeros e múltiplos casos de violência que já não mais
surpreendem, com características de crueldade e inumanidade mais brutais
e elevadas, sejam policiais ou bandidos os seus protagonistas.
A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA E INDAGAÇÕES
No
entanto, esta ficção-realidade não é para iniciar mais um texto de catarse
sobre a violência, mesmo que sejam textos e debates sempre
atuais, importantes e necessários. É para chamar atenção para outra
análise social que deveria ser observada e exercitada: a sabedoria de
escutar a História. E História com letra maiúscula, aquela que
não diz respeito apenas ao próprio indivíduo, mas a todo um processo
coletivo, de construções e transformações ao longo do tempo.
Qual
seria o desfecho para a história de José? Que ele se tornou doutor em
Direito Constitucional numa faculdade norte-americana? Ou que morreu antes de
completar 25 anos, com um tiro nas costas, por ser confundido com um bandido?
Ou, sem atingir a maioridade, foi mais uma vítima da violência, por
ter sido parceiro do tráfico de seu bairro?
Quem
relacionar a história de José com a história que vivemos hoje de racismo,
perene e candente na sociedade, corre o risco, sem perceber, de perpetuar o
preconceito, não com falas, mas com gestos ou omissões. Ser racista não é
apenas atravessar a rua, quando outro homem com mais melanina vem de encontro.
Ser racista é também quando formulamos pré-julgamentos a respeito
de fulano ou sicrano que, por ser negro, já possui na carteira de
identidade a profissão de meliante. E mais: a História do Brasil é
recortada, do período colonial até o processo de D. Pedro II como monarca, por
uma mancha social que foi a escravidão.
REFLEXÕES
Só os
negros de diversos países do continente africano eram escravizados no Brasil?
Apenas eles passaram por esse processo desrespeitoso? A história do mito de Cã
resume e explica as ações contra os negros? A resposta é negativa. Então, desta
forma, por que recaímos na ignorância de atirar bananas em jogadores de futebol
negros?
Sem
estender a discussão para uma temática histórica mais aprofundada, que é
deveras importante, escutemos a sabedoria da História. Apenas deixaremos
de ser tábula rasa na sociedade brasileira quando pararmos de afirmar “os povos
da África...”, ou “a culpa é do preto...”, ou “só poderia ser um macaco..” e
outras expressões nefastas. Primeiro,a África é um continente, onde não
existe apenas um povo, mais milhares de povos com culturas completamente
diferentes. Segundo, a culpa é do indivíduo que contribuiu para o desequilíbrio
social, tenha ele a cor que tiver. Terceiro, o macaco é um dos mamíferos mais
interessantes da natureza, não apenas pelos costumes, como também pela
inteligência.
OUVIR, VER E ENTENDER
Ter em
nossas mentes apenas a História que nos foi contada, sem filtrá-la com base nos
nossos próprios conhecimentos, sem uma leitura prévia do mundo e sem uma
análise mais apurada da realidade da região, permaneceremos repetindo as
incongruências que nos contam. O que vem à mente das pessoas,
quando lhes é pedido para que lembrem uma ou duas características da
África? Em geral, as respostas são as savanas (com leões e outros animais
ferozes) e a fome da população, e não nas maravilhas que cada país pode
proporcionar ao mundo com suas variadas culturas, costumes e riquezas naturais.
Saber que a narrativa da História é construída através de perspectivas, de
olhares diferenciados, pautados por arcabouços culturais desde o nascimento,
isenta este indivíduo de cometer erros como o pré-julgamento de uma
cultura ou de alguém.
Devemos,
primeiro, ouvir, ver e entender o que nos foi dito, o que nos foi
demonstrado. Depois, compreender o ambiente geográfico e político em que o
fato social está inserido. Só ao final, e após escutar outros lados
possíveis envolvidos, avaliar e opinar.
Pedro Beja Aguiar (22 anos) é formando em História
no Instituto de Filosolfia e Ciências Sociais da UFRJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário