OPINIÃO
MORTOS DE
NICE CUSTARÃO À FRANÇA CERCA
DE
840 MILHÕES DE EUROS SÓ POR DANOS MORAIS.
Jorge
Béja
O berço da Responsabilidade Civil, pública e
privada, que é uma das modalidades do Direito das Obrigações não tem
raízes nem no Direito Romano nem no Direito Português, como
prega muito pouca gente. Seu berço é a mesmo a França. De lá, anos e
anos atrás, partiram os sólidos fundamentos desta parte do Direito, tão
essencial para o convívio social. A respeito da "Responsabilité Civil"
e do "Droit Des Obligations", para cada um dos
poucos doutrinadores portugueses existem mais de
vinte franceses, notáveis e consagrados: Paul Duez, Savatier,
A.F.Lefebvre, A. Soareg, Garat e Sacchi, Bessor, Mazeud e Mazeud ( irmãos
que escreveram um Tratado a respeito do tema, com muitos volumes), Brun,
Jack, Tunc, Bonnecase, Montel e muita gente mais. Aqui no Brasil, o dever de
indenizar decorrente da Responsabilidade Civil, teve começo tardio
mas avançou muito, porém, com reparações pecuniárias modestas. Mas nem por
isso deixou de projetar no cenário jurídico nacional nomes como Amaro
Cavalcanti, Martinho Garcez Neto, Aguiar Dias, Humberto Theodoro Júnior, Carlos
Roberto Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Alberto Bittar,
Sérgio Cavalieri Filho e tantos outros.
SEM ESCAPATÓRIA - A carnificina que ocorreu em
Nice, na noite de anteontem, 14 de Julho, vai sair muito caro para o poder
público francês. Gira em torno de 840 milhões de euros,
aproximadamente, apenas no tocante ao dano moral. Não existe escapatória
jurídica para deixar de responsabilizar civilmente a República Francesa e
desta exigirem os vitimados (familiares dos que morreram e
sobreviventes) a mais ampla e completa reparação do dano. O governo e a
magistratura francesa sabem disso. Caso fortuito, força maior, ou ato de
terceiro nada disso poderá a França alegar nos tribunais com o intuito de fugir
de sua integral responsabilidade civil. Os atentados anteriores derrubam
essa tese. O próprio estado de emergência que o presidente Hollande disse
que iria ser suspenso em breve, mostra o perigo que rondava a população de toda
a França. E para o que era previsível e esperado não se pode opor
a chamada Teoria da Imprevisão. Lá, em Nice, naquela noite, todas as
pessoas que estavam na orla marítima que as autoridades fecharam ao
trânsito de veículos, para que os pedestres pudessem transitar com
segurança e comemorar o 14 de Julho, todos eles tinham a garantia estatal
da incolumidade física. Todos se encontravam em logradouro público protegido
pelo Estado. Essa garantia pode ser resumida numa espécie desse
implícito chamado estatal "Venham todos que eu
garanto". Mas o Estado falhou no seu dever de proteger o povo e
de proporcionar vigilância para que nenhum veículo transitasse naquela via
pública. É a universalmente denominada "culpa in
vigilando" para o Direito Romano e culpa pela "faute du
service", para o Direito Francês. Para Paul Duez, a falta do
serviço público que gera a obrigação de indenizar ocorre se presente uma
dessas três situações: 1) o serviço existiu, mas retardou; 2) o serviço
existiu, mas funcionou mal: 3) o serviço inexistiu. No caso de Nice, é certo
que uma, duas ou todas essas hipóteses aconteceu, ou aconteceram.
Tanto é verdade que aquele caminhaozão assassino, sem que o serviço de
segurança impedisse, ingressou na pista que estava fechada ao
trânsito de veículos e percorreu cerca de dois quilômetros, matando até agora
84 e ferindo e mutilando 202 transeuntes. É inegável a
responsabilidade pública estatal.
POR ORA, APENAS O DANO MORAL - Brasil, França e Estados Unidos
adotam a reparabilidade do dano moral. No Brasil, no mísero valor de 500
salários mínimos (R$440 mil) para os familiares de vítima morta em acidente,
conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já na França, o
chamado preço da dor é da ordem de 10 milhões de euros (R$36 milhões ao câmbio
de hoje) por cada vitima fatal. Levando em conta que até agora foram 84
mortos, o total gira em torno de 840 milhões de euros (R$3 bilhões e 24
milhões). Faltam ainda considerar o pensionamento aos
familiares-dependentes até que a vítima fatal completasse 75 anos, na base
de 2/3 de seus ganhos. Também cabem indenizações aos sobreviventes, incluindo
dano moral, dano estético, tratamento médico-hospitalar,prótese,
pensionamento, temporário ou vitalício, proporcional aos ganhos e à
redução da capacidade laborativa. de cada vítima ...Enfim, uma fortuna. Fortuna
essa que não paga a dor, não paga a vida dos que morreram, nem repara os danos
dos que sobreviveram. Mas é essa a forma universalmente consagrada para a
reparabilidade do dano. Vamos, por hora, estimar apenas o dano moral
referente aos 84 mortos: 840 milhões de euros.
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